sábado, 25 de abril de 2009

A mensagem visual de Mondrian versão 2.0

Com fundamentos em Bruno Munari ("Design e Comunicação Visual"), D. A. Dondis ("La sintaxis de la image"; “A primer of visual literacy”) e Rudolf Arnheim ("Arte e Perccepção Visual")

«A obra de arte é a imagem que se percebe, não a tinta» (Arnheim, 1998: 10).

A arte é acima de tudo uma forma de expressão, uma comunicação visual. Já dizia Paul Veléry que “o objectivo profundo do artista é dar mais do que aquilo que tem”. Esta frase assenta perfeitamente no conceito de arte adoptado por Mondrian. Quem é que nunca ouviu falar deste grande artista? Ou antes, quem nunca ficou maravilhado perante a visão das suas obras? Sinto que as suas obras são tão genuínas que é como se nos falassem, porque nos atraem visualmente e, realmente, nos comunicam uma mensagem. Arnheim questiona-se sobre o que captamos através da visão: «Se a visão é uma captação activa, o que ela apreende? Todos os inúmeros elementos de informação? Ou alguns deles? Se um observador examinada atentamente um objecto, percebe que seus olhos estão bem equipados para ver detalhes diminutos.» (Arheim, 1998: 36). São estes detalhes diminutos que vamos tentar explorar nas obras de Mondrian.

"Amaryllis" Mondrian, 1910


Pieter Cornelis Mondrian, geralmente conhecido por Piet Mondrian, foi um pintor holandês modernista. Os seus primeiros trabalhos, na sua grande maioria, eram pinturas de calmas paisagens em tons de suaves cinzentos, cor de malva e verdes escuros. Contudo, cedo começou a demonstrar outros propósitos, experimentando cores mais brilhantes com o intuito de transcender da natureza. Deste modo, desenvolveu um estilo cada vez mais abstracto.

"Composition in line and color" Mondrian, 1913


O princípio do século XX procurou um novo olhar sobre o mundo e Mondrian levou a abstracção até aos seus limites. O abstraccionismo acaba por substituir a realidade exterior pelas cores, formas, linhas, planos, usando as relações formais entre estes elementos para compor a realidade da obra, de modo não representativo. O artista baseia-se nas suas próprias reacções afectivas e ideias, expressando-as inovadoramente e aprofundando as relações entre os elementos da obra. Segundo D.A. Dondis em “A primer of visual literacy”: «Abstraction, visually, is simplification toward a more intense and distilled meaning.» (Dondis, 1974:74). Vemos então que esta arte é composta pelos próprios elementos básicos de comunicação visual por nós estudados, como o ponto, a linha, o contorno, a direcção, a tonalidade, a cor, a textura, a dimensão e inclusive, o movimento. A redução da realidade a estes elementos traduz-se: «has far more significance to the understanding and structuring of visual messages» (Dondis, 1974:74).

Mondrian foi além dos demais artistas e começou a formular as suas próprias teorias estéticas. O seu estilo – Neoplasticismo - intimamente relacionado com o abstraccionismo, defendia uma total limpeza espacial para a pintura, reduzindo-a aos seus elementos mais puros. Analisemos algumas das suas obras do ponto de vista dos elementos básicos da comunicação visual, até porque como diz D. A. Dondis no livro “La sintaxis de la imagem”: “para analizar y comprender la estructura total de un lenguaje es útil centrarse en los elementos visuales, uno por uno, a fin de comprender mejor sus cualidades específicas.”


Composition with Black, White, Yellow and Red, Mondrian


Como vemos em “Composition with Black, White, Yellow and Red”, Mondrian evita a reprodução do mundo material, usando apenas linhas pretas verticais e horizontais que delimitam blocos de branco, vermelho, amarelo e, noutras obras, azul. Como vemos, a linha, entendida como um conjunto de ponto “que no pueden reconocerse individualmente” (D.A. Dondis), é a base de toda a obra. A cor é também um factor não deixado ao acaso, pelo que necessitando de ressaltar o aspecto artificial da arte, usou apenas as cores primárias (vermelho, amarelo, azul) em estado de máxima saturação (artificial), assim como o branco e o preto (inexistentes na Natureza, o primeiro como presença total e o segundo ausência total de luz). Através do uso do elemento básico da escala, diferenciamos nesta obra os pequenos quadrados vermelhos do quadrado amarelo. Acerca da escala Rudolf Arnheim refere: «Percebem-se imediatamente os objectos com determinado tamanho, isto é, algo situado entre um grão de sal e uma montanha.» (Arheim, 1998: 36)
Como composição visual, vemos que a sua obra revela harmonia pelo que seria impossível falar de Mondrian e não referir o famoso “número de ouro” aplicado à arte. O rectângulo de Ouro é conhecido como sendo a forma visualmente mais equilibrada e harmoniosa e consiste em "seccionar um segmento de recta de tal forma que a parte menor esteja para a maior como este está para o todo".


Nesta obra Mondrian aposta mais uma vez apenas nos elementos básicos da linha e pontos coloridos (as cores voltam a ser primárias, facto já analisado na obra anterior). Aqui está a prova de como é possível comunicar visualmente apenas com estes dois elementos. O leitor da obra fará a sua própria inferência da mensagem, de acordo com a sua experiência visual e criatividade. Arnheim explicita-o de forma muito clara: «Inferências são operações mentais que acrescentam algo aos factos visuais dados, ao interpretá-los. Induções perceptivas são às vezes interpolações que se baseiam em conhecimento adquiridos previamente.» (Arnheim, 1998: 5). Munari refere ainda que «Cada receptor, e cada um de modo diferente, possui algo que podemos definir como filtros, através dos quais a mensagem terá de passar para ser recebida» (Munari, 2006:90), sendo portanto variável a interpretação que cada um faz de determinada obra.

New York city”Mondrian, 1941-42

Esta pintura foi inspirada numa visita que Mondrian fez a Nova Iorque, mas as formas geométricas continuam presentes. Em termos de superfícies ou planos as suas obras, maioritariamente, transparecem a sensação de harmonia e de tranquilidade, que provém das formas geométricas regulares usadas, como por exemplo o quadrado (uso do elemento contorno). Nesta obra particularmente parece-me que a forma como as linhas estão usadas e a forma como se cruzam, a par das cores usadas, dão a sensação de profundidade e perspectiva. A desfragmentação do quadro é necessária para a interpretação do mesmo, mas, no fundo, só com todos os elementos reunidos o quadro faz sentido e transmite mensagem: «Há bastante vida [em] combinação de quadrados e rectângulos de vários tamanhos, proporções e direcções, mas eles se prendem uns aos outros de tal modo que cada elemento permanece em seu lugar, tudo é necessário». (Arheim, 1998 : 14)


"Broadway Boogie-Woogie", Mondrian, 1943

Termino esta minha análise acerca das técnicas e elementos visuais usados na comunicação do artista Mondrian com uma das obras que, pessoalmente, mais admiro. Trata-se de "Broadway Boogie-Woogie", no qual o artista criou um equilíbrio dinâmico entre inúmeros rectângulos e quadrados coloridos. Embora as obras de Mondrian tenham um carácter essencialmente abstracto, esta pintura inspira-se directamente em duas referências do mundo real: a grelha urbana de Manhattan e o ritmo do Boogie Woogie - estilo de dança que Mondrian apreciava particularmente. Acho que o ritmo é bem demonstrado pela variedade de cores usadas e de forma descontínua.

Este breve reviver das técnicas usadas por Mondrian permitiu-nos concluir que é possível comunicar visualmente apenas com os elementos mais básicos de comunicação visual. O modo como estes se conjugam entre si permite criar uma mensagem que passa do criador da obra ao apreciador da mesma. Cabe-nos a nós, apreciadores, captá-la e desse modo perceber que o uso de uma simples linha vertical ou de um quadrado contém muito mais do que pode parecer a um olhar desatento. Segundo Rudolf Arnheim, «Ver significa captar algumas características proeminentes dos objectos. (…) Umas simples linhas e pontos são de imediato reconhecidos como “um rosto”» (Arheim, 1998: 36). Onde está um quadrado, pode estar a representação de um sentimento, de uma emoção, de um estado de espírito… Tanta coisa ao mesmo tempo que a minha lista prolongar-se-ia por linhas infinitas. Para vos poupar de mais leitura, e porque penso que mais importante do que ler algo sobre Mondrian é visualizar a sua arte, deixo-vos uma expressão de Mondrian que resume tudo o que anteriormente foi dito e permite entrar no seu próprio espírito artístico:


"Squares? I see no squares in my pictures"


Mondrian

terça-feira, 7 de abril de 2009

O poder da tipografia

Sendo a tipografia o nosso novo objecto de estudo, trata-se importante fazer uma reflexão acerca do seu significado, da sua importância e da sua presença na realidade.

Podemos dizer que existem variadas formas de definir a palavra tipografia. Desde Otl Aicher que refere que «tipografia não é mais do que a arte de descobrir, em cada caso concreto, aquilo de que a nossa vista gosta e de apresentar as informações de modo tão apetitoso que a vista não lhes possa resisitir», até Indra Kupferschmid, que de forma breve e clara explicita que "Existem apenas três métodos de fazer letras: escrevê-las, desenhá-las ou produzi-las tipograficamente".

Independentemente do modo como cada autor a define, penso que o importante, e é isso que nos move neste novo projecto, é olhar a letra não só do seu ponto de vista funcional, mas também da óptica da estética e da expressividade de cada carácter tipográfico.
Roger Bringhurst, poeta e tipógrafo, dizia que «letterforms have tone, timbre, character, just as words and sentences do». São estas características enunciadas, a sonoridade, o timbre, e a personalidade, que fazem com que possamos olhar para a letra não só tendo em conta a comunicação escrita mas também a visual, aquilo que ela representa visualmente.

E, de facto, ela pode expressar muito mais do que a informação que já contém por si só, através da forma que adquire. Exemplo disso é o vídeo que apresento abaixo e que pretende ser uma ilustração das ideias defendidas neste mesmo artigo que pretende ainda ser, simultaneamente, uma análise crítica do vídeo divulgado.
A tipografia é usada pelo designer de modo a ajudar o leitor a assimilar o próprio conteúdo. Assim sendo, o texto também é uma forma de ilustração. Ele adapta-se de acordo com o que se pretende comunicar, transformando-se aspectos tão mínimos mas tão fulcrais quando: o tipo, a cor, o tamanho, … (notemos que no vídeo publicado a dada altura as letras passam de negro para vermelho, assumem diferentes posições no campo visual, ganham ou perdem ritmo, tudo isso com um propósito implícito que não passa despercebido nem ao espectador mais distraído).

Quanto à presença da tipografia na realidade podemos dizer que está em todo o lado, ainda que, como defende Paulo Heitlinger no livro “Tipografia: origens, formas e uso das letras”, nem sempre seja conscientemente detectada como tal: logótipos, cartazes, jornais, revistas, panfletos, rótulos, etiquetas, ecrãs de televisão, todos os meios de comunicação acabam por recriá-la. Aqui penso que seja importante reforçar o uso persistente em meios de publicidade, em que, pretendendo-se captar a atenção e difundir a mensagem, se faz uso sistemático da mesma.
Como explica Joan Costa, no livro “A Rebelião dos Signos: A Alma da Letra”, “A letra nasce para transmitir conhecimento e informação, mas como é um produto de design – cada letra é um desenho - e tem uma estrutura inspirada na geometria e na matemática, através do tempo vê-se como está sempre a evoluir, seguindo o ritmo da cultura”. Com isto penso que o autor pretende dizer que a letra vai-se libertando no decorrer dos tempos, interrompendo a sua função meramente simbólica de escrita, passando a ser forma de expressão máxima visualmente.

Analisando o vídeo que escolhi, penso que aqui a tipografia assume o papel máximo de relevância, o que vem a corroborar as ideias acima explanadas. É incrível observamos com atenção e repararmos que já não olhamos mais as letras como “meras letras”, mas sim como transmissoras de uma mensagem, tendo em conta a forma que assumem. Neste caso, bem como no excelente exemplo de Alex Gopher, as letras, pela sua forma e pelo seu dinamismo inerente, contam-nos uma história. A música aqui assume também uma posição preponderante, mas é a energia da tipografia que dá sempre uma força extra e essencial a toda a mensagem que se pretende transmitir.